terça-feira, 14 de julho de 2009

Vênus – Sexo, Gênero e a Evolução do Homem.

A figura feminina parece causar, desde os primórdios da representação humana, um misto de fascínio e medo, de desejo e culpa, de veneração e repulsa. Ao que tudo indica, a nossa capacidade de estabelecer relações simbólicas com a natureza e com a sociedade surgiu com a Revolução Criativa do Paleolítico Superior (30.000-60.000 anos), ou Big Bang da cultura humana como Steven Mithen prefere chamar. Acredita-se que um aumento da fluidez cognitiva nesse período pode ter sido responsável pelo surgimento da arte, já que é a partir dessa época que surgem as primeiras pinturas rupestres, que se disseminam os artefatos de ossos, alguns objetos de adorno pessoal e estatuetas figurativas.
Das esculturas paleolíticas, são famosas as estatuetas femininas de pequenas dimensões designadas genericamente por Vênus, e identificadas como possíveis ídolos para o culto da fertilidade e sexualidade. A fertilidade não era mais concreta no display das nádegas avermelhadas e túrgidas de fêmeas primatas, ela passa a ser uma idéia, que pode ser armazenada em artefatos e transportadas nas mãos dos homens e mulheres modernos.
Entre as mais antigas estatuetas contam-se as Vênus da Europa, como a Vênus de Lespugue (27.000 anos, França), a
Vênus de Dolní Věstonice (27.000-31.000 anos, República Tcheca), a Vênus de Willendorf (24.000-26.000 anos, Áustria), e a Vênus de Laussel (20.000 anos, França).

A Vênus de Willendorf (24.000-26.000 anos, Áustria), cuja réplica está em destaque, é uma estatueta com 11,1 cm de altura. Foi descoberta em um sítio arqueológico Paleolítico próximo ao vilarejo de Willendorf, Áustria, em 1908, pelo arqueólogo austríaco Josef Szombathy (1853-1943). Parece ter sido esculpida em calcário oolítico, material que não existe na região, e colorido com ocre vermelho. Essa estatueta não pretende ser um retrato realista, mas uma idealização da figura feminina. A sua vulva, seios e barriga são extremamente volumosos, de onde se infere que tenha uma relação forte com o conceito da fertilidade.

Vênus é a deusa romana do Amor e da Beleza, equivalente grega de Afordite. O nome Vênus dado para as estatuetas do Paleolítico Superior pode causar alguma relutância a certos estudiosos, que não conseguem ver nesta figura a imagem clássica de uma Vênus. Isso porque a Vênus que o ocidente espelha é, na maioria dos casos, a Vênus Pudica, um tipo de estátua Clássica que tenta encobrir com as mãos os seios e a região púbica, como a Vênus Capitolina (350 BC), por exemplo, ou a pintada por Botticetlli em o “Nascimento de Vênus”.

As Vênus clássicas, ao mesmo tempo em que exibem sua sexualidade, tentam suprimir sua faceta mais física e manifesta, evidenciando um erotismo já domado pela civilização. A Vênus de Willendorf, por sua vez, se assemelha muito mais à “Vênus Impudica”, termo cunhado em 1864 por Marquis Paul de Vibraye, uma vez que não faz qualquer tentativa de esconder a sua sexualidade. Seu corpo volumoso, seus seios fartos, seu amplo abdômen e sua vulva evidente contrastam com a estética clássica, manifestando um gosto não refinado, não civilizado, ou ainda, “primitivo”. A Vênus de Willendorf, talvez represente a mulher em um estado irrestrito pelos tabus culturais e convenções sociais. Como uma das primeiras idealizações da mulher, parece estar mais próxima da feminilidade natural, perdida pelas Vênus Clássicas, já subjugadas pelo processo civilizatório que consolidou o patriarcado e as crenças Judaico-cristãs acerca da personalidade feminina.

Assim, apesar de ser muito difícil acessar o que motivou as representações artísticas do homem do Paleolítico Superior, parece evidente que há um contraste entre os conceitos de feminino, fertilidade e sexualidade daquela época, com o que se tem na modernidade. Se na sociedade de hoje faz sentido a famosa frase de Simone de Beauvoir “não se nasce mulher; torna-se mulher”, muito provavelmente as mulheres que inspiraram as Vênus do Paleolítico parecem ter sido mais livres para simplesmente nascer mulheres, e transbordar fertilidade e sexualidade sem os refreios de uma civilização forjada nos milhares de anos que se seguiram à explosão criativa do Paleolítico Superior.

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