Ela, na ânsia de contar seu dia, trouxe a caixa de seringas novas dadas pelo posto de saúde para sua insulina. Toda orgulhosa mostrou o procedimento só para no final guardar tudo. Já havia tomado a sua dose do dia. Eu odiava sempre essas visitas familiares de afeições falsas e velhice e doença. Mas me sentia bem quando ia justamente pelas mesmas razões. E me sentia pior ainda por me sentir bem. Por que na velhice e na doença tudo é muito frágil, tudo fica carente, até os azulejos dos aposentos. Mostrava a sua rotina, a doença era sua rotina. Perdi o apetite, nunca mais ia comer açúcar, nunca ia ter essa maldita doença. Tantas coisas bonita, um Van gogh falso na parede, tudo incoerências, tudo estranho e fora de lugar. Uma mulher fora do seu país, uma idosa banida de sua família, uma mãe que escolheu um filho perdido e que se perdeu na solidão e que busca no final da vida a afeição do sangue, que ninguém consegue escapar. Afagos falsos, mesmo quando a repulsão é escancarada, quando não há qualquer empatia. Ela achava que éramos educados, exemplares, mas sempre éramos o oposto. Sair sem comer seria um insulto, mas a ânsia para ir embora aumentava a cada segundo. Tudo ficou tolerável quando as mexericas e os caquis foram servidos e notícias muito trágicas começaram a passar na TV, tudo muito pior do que o meu trágico final de domingo. A notícia acabou, a ânsia voltou. E tive que ir embora.
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