quarta-feira, 6 de maio de 2009

Pourquoi?

Acordei um dia desses bocejando e pensando porque era que eu queria levantar tão cedo e ir direto para o computador. Por que queria tanto escrever? Queria pular o café-da-manhã, queria pular corda, queria pular tudo que estivesse no caminho. Outro dia, de volta do “trabalho”, pulei também o jantar, pulei o conforto do sofá com seriados diversos, pulei o banho relaxante, pulei a noite de sono. E agora pulo mais outras inúmeras noites na tentativa de entender porque pulo tantas coisas na ânsia de escrever.

Cheguei a várias explicações igualmente insatisfatórias e verdadeiras. Algumas insanas outras insones. Algumas, efeito da fome, outras, do cansaço. Mas já aviso de antemão. Nenhuma delas explica nada. Não tenho essa pretensão. Escrevo justamente por não encontrar explicação.

Assim, posso dizer que não escrevo por razões nobres. Escrevo por todas as minhas falhas e imperfeições. Por todos os meus complexos mal resolvidos, por toda a minha impossibilidade de somente ser e me bastar com isso. Despejo as palavras, nauseada com o absurdo da existência, como o fantasma Roquetin de Sartre. Mas a narrativa, o contar, confere relevância ao insignificante, ao detalhe de uma existência qualquer. E toda existência pode ser narrada, inclusive a minha. Só que enquanto o que eu escrevo são futilidades, superfícies, a minha vida real se encontra retida nos lampejos de pensamento que logo esqueço ou que tenho preguiça de anotar. Minha vida é arte subaproveitada, é potencial que não sei transformar.

Escrevo porque as idéias até então me eram vultos negros pegos de relance. Meio amedrontada de espíritos que sou tentava sempre fingir que era vento e ilusão de ótica de mente cansada. Escrevo por que cansei de fingir!

Também porque cresci dócil e amansada e estou perdida solta novamente pelos fragmentos de matas. Mas tenho sangue dos beduínos do deserto, tenho claustrofobia de florestas. Tenho claustrofobia de escuro sem estrelas, de quartos com portas sem panos, tenho sangue árido. Tenho sangue nômade, tenho claustrofobia simples de falta de ar e de idéias se acumulando e consumindo meus espaços. Escrevo para poder respirar!

Escrevo para desobstruir, para sair aquela primeira água marrom, suja, barrenta, cheia de querer certezas e da linguagem clara e sucinta e certeira da ciência. Água sem entrelinhas, que esmaga as entrelinhas, que mata as entrelinhas. Muita água vai ter que passar para a água limpa sair, transparente que não esconde nada e revela menos ainda, e limpa tudo. A água do não dito e do não feito. Dessa água eu posso beber. Dizem que Darwin, quando veio para a Amazônia, ficou tão fascinado com a diversidade de besouros que, já tendo ocupado suas mãos com espécimes amarelos e azuis, colocou um vermelho na própria boca, tamanha era sua emoção. Escrevo porque me emociono mais com o besouro vermelho do que com a teoria da evolução!

Mas na realidade, sou muitas vezes possuída, arrebatada por uma misteriosa mão forte que me mantém escrava. Viro oráculo e não entendo o sentido do que escrevo, a escrita se escreve sozinha. Sou possuída pelas palavras, e depois crio o que seria aquilo para que eu possa enganar que quem cria sou eu. As ideias me têm como num transe mediúnico, abro um portal onde não penso, sou pensada, não crio sou criada. Escrevo porque quero me render!

Concordo com Clarice que nunca se dever reler o que já se escreveu, porque o que se cria já nasce morto. Mas quero muito dar a luz e não desisto! Escrevo contra todas as mortes súbitas que me impedem de viver!

3 comentários:

  1. adorei!
    essa jornada dupla é fueda...hoje fui obrigada a parar de contar capim pra escrever, no meio do parque. afe!
    (escrevo pra desentupir válvulas, privadas e qualquer outro cilindro obstruído... escrevo, também, pra continuar colocando a minha roupa do avesso!)

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