quinta-feira, 21 de maio de 2009

too much, caution

Ela se apaixonou por ele no meio daquele gozo enrolado. Se apaixonou quando ele colocou a mão na cintura dela, trazendo ela mais perto. Se apaixonou de novo quando percebeu que a voz podia ser suave. Se apaixonou olhando no olho dele. E foi olhando no olho dele que ela deu o aviso, salvando a vida dele pra perder a dela depois.
Numa cidade até então desconhecida, a farsa encenada tornava o imaginário real. Tudo nu e cru. Pra ela, não existia farsa que sustentasse o sentido que ele dava. E não havendo quem atuasse o tempo todo, a única opção era ver no sentido de sentir...

terça-feira, 19 de maio de 2009

Almost moving

Quando eu chego, você já está lá, já está. E eu fico inquieta e fico rindo de tudo e de todos ou finjo uma mudez alheia. Vou logo pegando uma cerveja que é pra ocupar a mão com algo além do cigarro. E quando ela acaba eu pego outra porque não posso pensar em nada sóbrio, nada sério.
De lá pra cá, a barata fica tonta.
E quando eu conto uma história, não olho no teu olho que é pra não me desconcentrar, viu? E você encosta sua perna na minha e eu deixo. E eu digo que fico e você fica, mas é só porque depois você vai dizer que vai e eu vou. E eu não sei fazer isso, e eu não quero. Não de novo, não agora. Mas eu faço porque se você for, sou eu que já vou estar lá.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A linguagem, as coisas e seus nomes


de Eduardo Galeano

"Na era vitoriana era proibido fazer menção às calças na presença de uma senhorita.
Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública:
O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado;
O imperialismo se chama globalização;
As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões;
O oportunismo se chama pragmatismo;
A traição se chama realismo;
Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos;
A expulsão dos meninos pobres do sistema educativo é conhecida pelo nome de deserção escolar;
O direito do patrão de despedir sem indenização nem explicação se chama flexibilização laboral;
A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria;
em lugar de ditadura militar, se diz processo.
As torturas são chamadas de constrangimentos ilegais ou também pressões físicas e psicológicas;
Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões, são cleoptomaníacos;
O saque dos fundos públicos pelos políticos corruptos atende ao nome deenriquecimento ilícito;
Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos motoristas de automóveis;
Em vez de cego, se diz deficiente visual;
Um negro é um homem de cor;
Onde se diz longa e penosa enfermidade, deve-se ler câncer ou AIDS;
Mal súbito significa infarto;
Nunca se diz morte, mas desaparecimento físico;
Tampouco são mortos os seres humanos aniquilados nas operações militares: os mortos em batalha são baixas e os civis, que nada têm a ver com o peixe e sempre pagam o pato, danos colaterais;
Em 1995, quando das explosões nucleares da França no Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia declarou: “Não gosto da palavra bomba. Não são bombas. São artefatos que explodem”;
Chama-se Conviver alguns dos bandos assassinos da Colômbia, que agem sob proteção militar;
Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e Liberdade o maior presídio da ditadura uruguaia;
Chama-se Paz e Justiça o grupo militar que, em 1997, matou pelas costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, que rezavam numa igreja do povoado de Acteal, em Chiapas."
(Do livro De pernas pro ar, editora L&PM)

terça-feira, 12 de maio de 2009

Par

Ele foi pro bar sozinho porque não queria dormir sozinho aquela noite. Pediu a garrafa, o copo e o lugar no balcão ao lado daquela mesa. Palavras. Umas ouvidas, outras esquecidas e ele deitou acompanhado. Mas dormiu pouco e dormiu mal, acordou com a claridade como todo bom vampiro.

Ímpar

Sentou na mesa fazendo piada porque é assim que a vida enche de graça e não custa nada ficar de pé dançando um pouco. Os risos encheram o ar e os copos vazios. Todos viram. E o resto? Não era resto, já diriam as migalhas do pão do café da manhã.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Can you see?


This is the journey back. Back from Portel to Belém (Para, Brazil). Back from a reality that is easily hidden, but not easily forgotten. Back from the communities that eat cassava, fish and açaí, to the city that eats cassava, fish and açaí, and has banks, roads, theaters, and planes. Back to the same colors that we are used to see. There is a shade of orange, almost pink, that you can only find when you are crossing this part of the river, an immaterial place. Only when you are at the 3rd margin of the river as Guimarães Rosa used to say. I’m not sure if I ever truly saw it….can you see it now?

Pracajurá





This is Pracajurá, a small Amazonian riverine community. A picture freezes a moment in time, a moment that passes inevitably. But this is a redundant picture, even with you eyes outside the camera this scenery never seemed to move. The waters are calm, the boats barely shift. The birds already stopped singing and people are quietly home preparing dinner, talking and hoping for the generator to work so they can watch their favorite soup opera.

Mirror




Caxiuanã. During sunset, sailing through Amazonian black rivers, you can never tell if you are upside down or just walking over a mirror. Everything seems to be doubled, not just the clouds and trees but also the birds singing in the silence, the insects stinging and the fishes jumping out the water to catch the last glimpse of daylight.

Quati




This funny guy is a quati (or coati), a member of the raccoon family. In tupi language quati means pointy nose. This picture was taken in a household at Lago do Camuin a small community 8h away from Portel (Para, Brazil). He was treated as a pet by the people there, but he was also helpful in many tasks around the house. He went fishing; he helped people bring cassava roots to make farinha, and was always undoing knots and messing with clothes, bags, foods, and people’s heads (in every sense of it).

Wood





After 2 days in Portel, a small Amazonian town, we were sitting in a villager’s boat in our way to Ilha de Terra, a community 8 hours away. This was a common sight. Boats passing up and down the river loaded with wood. You could actually picture in your mind, in the depths of the forest, the empty spaces that were left barren, brown and desert. But to relieve your guilty thoughts you would innocently forget your own immense wooden table, and thousands of unread books and printed papers.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A queda do muro

Éramos oito ou nove meninas (ou melhor, mulheres, já que estamos todas pra balzaquear) sentadas em roda, tomando cerveja num fim de dia qualquer. As conversas que surgem dessas rodas são sempre diversas, sempre interessantes e, principalmente, engraçadas, porque depois de passar horas transcrevendo a fita do Seu Valdomiro, analisando dados multivariados, procurando DNA em pipeta, explodindo a centrífuga ou corando embriões de sementes minúsculas, nós só sabemos falar bobagens, baldes de bobagens.
Pois bem, depois de termos salvo o mundo de cinco maneiras diferentes, criado uma nova seita etno-eco-sustentável (essa história eu conto outro dia) e discutido todas as cafonices que aconteceriam “se o Wando me amasse”, o assunto, logicamente, foi desviado para os casais xexelentos e as xexelências que não suportamos.
Apareceram todas aquelas que nós já conhecemos, mas continuamos compartilhando porque sempre irritam. Temos o casal que muda a voz ao falar no telefone, o casal que fica se beijando e fazendo barulhos no cinema, o casal em que um espreme a espinha do outro na praia, no parque ou algum outro lugar parecido, e o casal que fica de moshi-moshi e/ou cuti-cuti em todo e qualquer lugar público.
Eis que, aí, uma amiga, que tem opiniões muito particulares e específicas, sobre coisas também muito particulares e específicas, diz que a xexelência mais insuportável, a pior de todas, pior mesmo, é aquela onde casais (dizer que são chatos é redundante) formam um muro grande e imóvel em shows de rock.
Explico. O muro, ou murinho, consiste num “abraço” onde o homem fica atrás da mulher a abraçando de forma que todos os seus enormes músculos, os da parte superior de seu corpo, ficam evidentes. Nem um, nem outro, conseguem se mexer, claro. Ela, porque ele praticamente deu uma chave de braço nela e, ele, porque não pode, em hipótese alguma, relaxar, desfazendo a posição de defesa. Afinal, músculos previamente preparados na academia precisam ser vistos. Pronto, muro formado e opressão feita porque você, dançando e pulando com toda empolgação dos seus músculos, ouvindo a guitarra, a bateria, o baixo, o vocalista etc., vai, invariavelmente, tropeçar num murinho e receber um olhar daqueles.
É, com certeza, eles ficam muito melhor posicionados numa sala qualquer ao som do CD da banda, ou melhor, o CD com os hits da banda...

Pourquoi?

Acordei um dia desses bocejando e pensando porque era que eu queria levantar tão cedo e ir direto para o computador. Por que queria tanto escrever? Queria pular o café-da-manhã, queria pular corda, queria pular tudo que estivesse no caminho. Outro dia, de volta do “trabalho”, pulei também o jantar, pulei o conforto do sofá com seriados diversos, pulei o banho relaxante, pulei a noite de sono. E agora pulo mais outras inúmeras noites na tentativa de entender porque pulo tantas coisas na ânsia de escrever.

Cheguei a várias explicações igualmente insatisfatórias e verdadeiras. Algumas insanas outras insones. Algumas, efeito da fome, outras, do cansaço. Mas já aviso de antemão. Nenhuma delas explica nada. Não tenho essa pretensão. Escrevo justamente por não encontrar explicação.

Assim, posso dizer que não escrevo por razões nobres. Escrevo por todas as minhas falhas e imperfeições. Por todos os meus complexos mal resolvidos, por toda a minha impossibilidade de somente ser e me bastar com isso. Despejo as palavras, nauseada com o absurdo da existência, como o fantasma Roquetin de Sartre. Mas a narrativa, o contar, confere relevância ao insignificante, ao detalhe de uma existência qualquer. E toda existência pode ser narrada, inclusive a minha. Só que enquanto o que eu escrevo são futilidades, superfícies, a minha vida real se encontra retida nos lampejos de pensamento que logo esqueço ou que tenho preguiça de anotar. Minha vida é arte subaproveitada, é potencial que não sei transformar.

Escrevo porque as idéias até então me eram vultos negros pegos de relance. Meio amedrontada de espíritos que sou tentava sempre fingir que era vento e ilusão de ótica de mente cansada. Escrevo por que cansei de fingir!

Também porque cresci dócil e amansada e estou perdida solta novamente pelos fragmentos de matas. Mas tenho sangue dos beduínos do deserto, tenho claustrofobia de florestas. Tenho claustrofobia de escuro sem estrelas, de quartos com portas sem panos, tenho sangue árido. Tenho sangue nômade, tenho claustrofobia simples de falta de ar e de idéias se acumulando e consumindo meus espaços. Escrevo para poder respirar!

Escrevo para desobstruir, para sair aquela primeira água marrom, suja, barrenta, cheia de querer certezas e da linguagem clara e sucinta e certeira da ciência. Água sem entrelinhas, que esmaga as entrelinhas, que mata as entrelinhas. Muita água vai ter que passar para a água limpa sair, transparente que não esconde nada e revela menos ainda, e limpa tudo. A água do não dito e do não feito. Dessa água eu posso beber. Dizem que Darwin, quando veio para a Amazônia, ficou tão fascinado com a diversidade de besouros que, já tendo ocupado suas mãos com espécimes amarelos e azuis, colocou um vermelho na própria boca, tamanha era sua emoção. Escrevo porque me emociono mais com o besouro vermelho do que com a teoria da evolução!

Mas na realidade, sou muitas vezes possuída, arrebatada por uma misteriosa mão forte que me mantém escrava. Viro oráculo e não entendo o sentido do que escrevo, a escrita se escreve sozinha. Sou possuída pelas palavras, e depois crio o que seria aquilo para que eu possa enganar que quem cria sou eu. As ideias me têm como num transe mediúnico, abro um portal onde não penso, sou pensada, não crio sou criada. Escrevo porque quero me render!

Concordo com Clarice que nunca se dever reler o que já se escreveu, porque o que se cria já nasce morto. Mas quero muito dar a luz e não desisto! Escrevo contra todas as mortes súbitas que me impedem de viver!

terça-feira, 5 de maio de 2009

Morte em vida ...vida em morte severina

Helena começou a se afastar da vida levemente desatenta, como quem atravessa a rua sem olhar. Sofreu muito contida a perda de tudo que vai com a idade; a morte de sua avó, de seu avô, e do seu cão idoso. Tudo que lhe diziam que ia no seu devido tempo, no curso natural das coisas. Mas ela não agüentava a perda, e lentamente se afastou de tudo que pudesse lhe trazer sofrimento. Afastou-se dos idosos e dos cães. Afastou-se de tudo que era mais velho que ela. Mas logo percebeu que não só o tempo leva tudo, o acaso leva tudo, a vida leva tudo, tudo nasce morto ou se vai em morte súbita. Então se distanciou das crianças, frágeis que são, e também dos vasos de porcelana, e dos vidros muito finos. Andava sempre com muito cuidado, pisando de leve no chão. Tentou de tudo, mas não podia prevenir acidentes, ainda chutava a quina da mesa, ainda via quedas de aviões e finais de romances. Helena então desistiu! Viu que era mais frágil do que todas as coisas das quais se afastava. E então se afastou de si mesma. Quando ele a conheceu, Helena já carregava a própria carcaça, tão certa que estava de sua morte iminente. Mas não tinha mais o que temer. Havia se afastado tanto de si mesma, que já não havia mais nada para morrer...

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O título pode ser qualquer coisa, menos uma coisa qualquer

Não sei não esse negócio de escrever. Dizem que é preciso saber das coisas – o que sei pouco. Também dizem que é preciso ter ritmo – o qual não tenho, pelo menos não para melodias musicais. Sempre fui meio átona, meio descompassada. Algo assim: você se lembra daquela música? Não, qual? Aquela... e saio declamando a letra da música porque o ritmo, se vem, fica perdido antes do fim do primeiro verso. Um verdadeiro horror. Mas tudo bem, aqui o ritmo é outro e esse, parece, vem de umas repetições aí. Pode repetir a palavra toda, umas sílabas ou algum fonema. Obviamente, os pontos e as vírgulas também ajudam. Coloque uma vírgula quando achar que o leitor merece uma pausa ou se você ficar preocupado com o sujeito segurando a respiração lendo tudo num fôlego só. É mais justo, juro.
Mas, olha, é preciso tomar algum cuidado sobre quantas vezes o sei-lá-o-quê vai aparecer de novo e de novo. Tem que ter alguma sensibilidade, poxa. Se eu ficasse aqui repetindo tudo, tenho certeza que você iria parar de ler e procurar o xingamento mais inusitado para aliviar toda a falta de sensibilidade da minha parte, anta que sou. É provável que você lançasse mão daquele putaqueopariu bem dado, digo, bem dito.
Bendito seja!
Perdão pelo trocadilho, mas não pude evitar. Só queria mesmo era exclamar alguma coisa e não poderia ser o xingamento. Não iria caber, aqui, que eu mesma me mandasse para o raio que me parta. Se quiser xingar, que xingue aqueles textos cheios de perguntas no meio – quem sou? quantos sou? etc. etc. Tenho um pouco de birra deles. Eles não sabem a resposta e vêm perguntando pra gente. É bom alguém os avisar que, apesar das inúmeras tentativas, ninguém conseguiu responder nada disso. Não, não, eles só querem que a gente fique com a mesma dúvida que eles, tão generosos que são – dividem tudo, até isso. Pois bem, não vou fazer perguntas, tá? E isso não é uma pergunta. Eu tô afirmando que não vou questionar nada e o “tá” no final é só pra você concordar comigo, não importa muito o que você pense do assunto.
Falando nisso, o assunto pode ser banal ou não. Pode escrever sobre tudo e sobre nada, tema livre. Vai falando o que quiser que no final dá tudo certo, ou não. É só não se esquecer das repetições. Sim ou não?
Desculpe, eu só queria dar ênfase na ênfase pra poder falar um pouco disso e não consegui pensar em outro jeito. Fato é que eu poderia ter “soletrado” as sílabas que seria igualmente enfático, ó: o tema é livre, li-vre. Mas o que eu adoro mesmo é a regra da caixa alta onde todo mundo sabe que é pra falar alto. E ainda tem gente que alega, injustamente, que eu grito - AH, VÁ!
E pra terminar um texto, é comum retomar alguma idéia do começo, fazendo alguma conclusão ou amarração inédita, genial, entre outros adjetivos chocantes. Tem, também, aqueles que gostam de acabar assim de repente, abruptamente, sem mais nem menos. E eu, não sabendo muito como acabar este daqui, vou parar agora com medo de parecer, ou ser, só mais uma chata repetitiva.

sábado, 2 de maio de 2009

cabo de guerra (ou: é por isso que chamam aquilo de força normal)

Certas coisas funcionam como a gravidade: não adianta bater perna nem fingir de morta, estão sempre aí. Sempre há uma força puxando o pé pro centro do mundo e outra levando a lugar nenhum ou a todos os lugares em busca de quases. E obedecendo todos esses quase lugares de dentro, ela acordava, lavava o rosto, escovava o dente, se vestia e saía. Sempre da porta pra fora. Lá fora ela ligava o som alto no carro e ia cantando, gritando e rindo quando se lembrava de um sonho maluco. Corria pra lá quando queria inventar, sapecar, brincar. Era lá, naqueles lugares, que se podia ser tudo. Lá e ali. Lugares quase tudo. Quase lugares. Tudo. E, assim, ela virava do avesso quase aqui e era isso que a segurava de fora pra dentro.