terça-feira, 23 de junho de 2009

Resposta a argumentos frágeis

(...) Como se pode dizer que a mulher - que sofre de históricas calúnias morais; que sofre abusos perpetrados pelos companheiros mais íntimos; que tem a sexualidade reprimida e literalmente mutilada; que padece as dores do parto, e as dores do aborto; que é uma propriedade do marido, de Deus e do pai; que suporta ameaças constantes a sua existência; que deve esconder a face e aturar os efeitos da falta de sol em países onde o Sol brilha diariamente; que é considerada inferior intelectualmente; que suporta uma jornada tripla; que é vista como a fonte do mal e da doença; que é vista como uma entediante deusa etérea- como pode se dizer que essa mulher é frágil? Diria isso se nesse cenário ela perdesse sua graça e sensibilidade, seus instintos e sua racionalidade. Mas a mulher não perdeu suas entranhas. E não porque é divina, o que só os desentendidos postulam. Não porque está próxima a Deus e pode ouvir seus sussurros como uma boa empregada esperando pelas ordens do patrão. Todas as injustiças cometidas contra a mulher, pelo fato de ser mulher, são fruto da imagem distorcida que se teve delas, umas delas a idéia da mulher como sexo frágil. Suportamos tudo e sempre sobrevivemos, numa resiliência memorável, não porque sempre tivemos quem nos defendesse, como se fossemos donzelas em perigo, mas pelo simples fato da mulher ser um sexo forte!

Se para ser forte é preciso ser corrupta, desviar dinheiro e arquitetar golpes de Estado, como se a maldade fosse o parâmetro da força, também entramos na categoria. Talvez não de forma explícita, pois os vencedores escrevem a história, mas de forma sutil, já que essa era a maneira possível. Transformar a mulher em algo frágil e divino é somente mais uma forma de machismo, que as coloca numa posição confortável e amena, dentro do lar, em função do seu útero e da sua sexualidade, cuidando da família burguesa para a Ordem e Progresso geral da nação! Se invertêssemos esse raciocínio teríamos uma sociedade de belos homens adormecidos. Coletaríamos a ejaculação de suas fantasias noturnas e nos injetaríamos com o seu suco quente e viril para gerarmos mais seres em nosso ventre frio, numa cadeia acéfala de reprodução e idiotização do mundo - bizarro Matrix unissexual.

Ao contrário, queremos um contato real com os seres humanos que nos rodeiam, indivíduos, homens e mulheres. Sim, com suas diferenças reais, palpáveis, e, em potencial, muito menores do que se pensa. Mas a cultura, a sociedade, as instituições de poder, a mídia e a religião são os grandes homogeneizadores, que nos direcionam inevitavelmente aos nossos gêneros (masculino, feminino), esses sim muitas vezes frágeis pelo efeito da dominação masculina e da própria alienação feminina. Direcionam-nos aos papeis que nos cabem para manter uma estrutura de poder e dominação específica.

Como iremos revelar a verdadeira natureza da mulher (se esta existir) se já de antemão ela nos é imposta? O mesmo se aplica aos homens, que não deixam de ser afetados pelas cobranças de uma masculinidade ao estilo hooligan ou do chefe de família burguês, branco, rico, casado e com filhos. A genética, a anatomia e a fisiologia podem ajudar a explicar muita coisa, mas não são determinantes, não são inescapáveis.

Sim, não sejamos ingênuas, mulheres. Aproximar-nos de Deus é tanto uma ofensa quando nos culpar pela indiscrição de Adão ao aceitar os conselhos da serpente. Para mim, quem cita a Bíblia como argumento de autoridade em discussões de gênero merece a cruz e a chibata. Mas infelizmente, quem constrói seu ideal de mulher em qualquer idéia bíblica, como a exposta na seguinte passagem: “Adão, você terá de trabalhar para conseguir seu sustento e você, Eva, sentirá dores no parto”, provavelmente encontrará o que deseja. Não faltam mulheres que se encaixam perfeitamente nesse antigo ideal judaico-cristão, não tanto por opção quanto por falta de crítica.

Alguns homens sofrem de um caso grave de miopia congênita (nem células tronco curam), raramente enxergando além do que algum caolho esperto os tenta mostrar. Confiam demais em um sentido danificado por anos e anos de domesticação intelectual. Vamos abrir os olhos, colocar lentes, fazer cirurgia de correção! Vamos parar de idealizar a mulher! Engraçado é que muitos alegam que a mulher é um mistério. Cegos vendo uma aurora boreal! Sentem o frio dos pólos, sentem o vento gélido, mas perdem toda a beleza do atrito entre o Sol e a Terra. Os mistérios necessitam de abordagens novas para serem desvendados, e assentar em explicações arcaicas sobre as relações de gênero só tornam mais difícil um real entendimento entre homens e mulheres. Por isso tomo emprestada a frase de Saramago “Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Repara que não queremos ser endeusadas ou subestimadas. Libertem-nos dessas estátuas de gesso, nos tirem do inferno, do céu e da parede de Poe, nos deixem ser livres e estar próximas.

Sim, temos orgasmos múltiplos e podemos esconder nossa excitação do mundo. Podemos até ser crípticas, mas a nossa anatomia não rege a nossa personalidade. Temos peitos e bundas salientes para compensar qualquer inveja fálica. Temos ventre expandido e vida saindo - somos expansivas!

Assim, tudo vira base para especulação, onde as únicas certezas que temos são anatômicas, nada mais. O nosso sexo não determina nossas preferências sexuais, nossos pensamentos políticos, nossas inclinações literárias. Os limites para o quanto os nossos sexos irão determinar os nossos gêneros passam longe de serem divinos e universais.

Muitos homens, numa tentativa impotente de inovação, usam como argumento que não são machistas (sexistas), são simplesmente humildes, cientes do seu lugar na terra e no céu, na família e na sociedade. São meros plebeus, num mundo onde somos as princesas. Ainda não entenderam que não apreciamos mais contos de fadas da Disney - não usamos tranças de Rapunzel (protótipo de crente presa na masmorra), não dormimos à espera do beijo mágico e nem comemos maçãs de travestis suspeitos, não ficando, assim, à mercê da salvação de outro príncipe entediante. Sim, ainda queremos amar e ser amadas, cuidar e ser cuidadas, compartilhar uma vida, quiçá uma família, uma visão de mundo, um ideal. Isso não é um feminismo reacionário, que quer a mulher igual ao homem, ou melhor que ele , ou que se distancie o máximo possível como se a masculinidade fosse alguma doença contagiosa. Essa é uma forma de humanismo, que não nega as diferenças, mas tenta realmente se livrar das amarras ideológicas tão bem atadas no decorrer dos séculos. Não odiamos homens, não queremos ser homens! Queremos ser mulheres, como nunca fomos antes, ponto final. Queremos ser mulheres como nunca conseguimos ser, como nunca nos foi deixado!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

porquinho

"A diferença entre escrever e fazer terapia é que se eu não escrevo, não preciso pagar a sessão!"
fala de um personagem num filme aí...

quarta-feira, 3 de junho de 2009

a coisa

Impressionante como ela está sempre lá. E acorda por excesso de chatice, minha e dos outros. Excesso de burrice, minha e dos outros. São sempre tantos excessos. Se cutucar, ela se excede. Se ignorar, ela se excede. Se discutir, excede.
Ponta afiada de língua afiada. Chupa um limão pra ficar mais azeda. Melhor que amarga, sempre achei.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Sunday blues

Ela, na ânsia de contar seu dia, trouxe a caixa de seringas novas dadas pelo posto de saúde para sua insulina. Toda orgulhosa mostrou o procedimento só para no final guardar tudo. Já havia tomado a sua dose do dia. Eu odiava sempre essas visitas familiares de afeições falsas e velhice e doença. Mas me sentia bem quando ia justamente pelas mesmas razões. E me sentia pior ainda por me sentir bem. Por que na velhice e na doença tudo é muito frágil, tudo fica carente, até os azulejos dos aposentos. Mostrava a sua rotina, a doença era sua rotina. Perdi o apetite, nunca mais ia comer açúcar, nunca ia ter essa maldita doença. Tantas coisas bonita, um Van gogh falso na parede, tudo incoerências, tudo estranho e fora de lugar. Uma mulher fora do seu país, uma idosa banida de sua família, uma mãe que escolheu um filho perdido e que se perdeu na solidão e que busca no final da vida a afeição do sangue, que ninguém consegue escapar. Afagos falsos, mesmo quando a repulsão é escancarada, quando não há qualquer empatia. Ela achava que éramos educados, exemplares, mas sempre éramos o oposto. Sair sem comer seria um insulto, mas a ânsia para ir embora aumentava a cada segundo. Tudo ficou tolerável quando as mexericas e os caquis foram servidos e notícias muito trágicas começaram a passar na TV, tudo muito pior do que o meu trágico final de domingo. A notícia acabou, a ânsia voltou. E tive que ir embora.