segunda-feira, 27 de abril de 2009

crença

Quando criança ela contava as pétalas das flores: bem-me-quer, mal-me-quer. Era simples, deixava a sorte responder o quer que fosse. Achava graça naquilo. Cresceu. Se apaixonou, viveu, sofreu, amou, nessa ordem, algumas vezes. Sempre sentiu muitas ânsias. Agora anda na rua de olho aberto pra quem vê. Ela diz que anda de olho fechado porque não acredita no que vê.

domingo, 26 de abril de 2009

nas inconveniências

…Raquel não sabia se ainda vivia uma história de amor. Já haviam passado duas horas há tempos e o diretor não gritou Corta! nem nada…deixou continuar na realidade. Ela não sabia se esperava um final trágico após 3 anos de reviravoltas e amadurecimento emocional, como em um bom drama de amor. Não sabia se protagonizava uma comédia romântica e deveria esperar um cômico final feliz. Se confundiu ainda mais quando lendo Guimarães Rosa percebeu que “um amor tem muitos modos de parecer que morreu” e que também tem muitas formas de morrer sem ser percebido. Depois disso não soube mais como se portar, não interpretava nada direito com medo de estar ensaiando o papel errado. Se achava patética quando pensava que podia estar lendo as falas da atriz principal por engano, e preferiu deixar de atuar. Depois de 9 meses do final de seu relacionamento com Maurício, Raquel não se achava mais no direito de chorar, mas não havia chorado quando podia. Vivia em lágrimas secas de sofrimentos atrasados, sofrimentos culpados e dores invisíveis. Vivia em melancolia. Sem motivo manifesto para a tristeza se justificar, a dor de membro amputado deu lugar à única dor que pode ser sem motivo algum. A dor que “recusa dizer seu nome”. Raquel não subia mais no palco....

Arame farpado

Não fomos feitos cacos, nascemos espelho! Nascemos vaso! Nascemos algo inteiro, não coisa fragmentada. Nos espetamos com nossas próprias farpas de quebra incompleta, quebra resistente de quem não quer ser pedaço. Sangra tudo de hemorragia interna. Quero ser todo, mas a mão grande de homem na sua fúria de ter não me deixa ser. Me quer caco no chão.

Zênite

Ele era a própria sombra de si mesmo, andava pesado pois era em dobro. Nunca era consigo mesmo. Nem ao meio dia conseguia ser completamente sem sobra nenhuma.

Ácido sulfúrico

Eu sabia que algo tinha mudado para sempre. Se você não coloca o sofrimento para fora ele fica lá dentro corroendo as entranhas, lubrificando as articulações, e alterando as células e tecidos como o câncer que a matou. Toda aquela repetição de angústias. Relembrava todo dia, como uma penitência, todos os detalhes do tormento dela, me preparando, me testando para saber se o indescritível seria suportável, pelo menos em pensamento, para que não perecesse antes da hora da minha própria morte, por fraqueza de espírito.

pequenas coisas enormes

E se ele soubesse que eu coloco canela no meu café? E se ele soubesse que quando eu olho no relógio eu vejo sempre o mesmo número? Se ele soubesse de tanta coisa, eu é que não saberia de mais nada e ele passaria os dias a me contar tudo. E aquilo tudo nunca iria acabar porque aos ouvidos dele a minha boca nunca parou de se mexer. E eu iria rir de tudo do jeito que ele sempre riu. Iria rir dos trejeitos que o deixaram boquiaberto, abestalhado, nervoso. Iria rir dos movimentos desastrados, das formas desacertadas, do jeito ansioso de pedir mais um pouco. Iria rir de tudo que eu nunca vi existir até ele me contar.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

nos confins do mundo

As pessoas de Maritéia são, na sua maior parte, maior mesmo, pessoas normais; são gente. Mas há uma parcela diminuta da população que constitui algo diferente, algo meio que poético num corpo de gente. À primeira vista, e talvez sempre que avistados, é impossível diferenciar um ser gente de um ser poético.
Eles, os poetis, são homens nascidos bastardos e sem sexo. Os óvulos de suas mães são fertilizados por um mel especial, que só existe em Maritéia. Esses homens são como as abelhas operárias que vivem em prol da reprodução alheia, da entidade maior, da rainha. Eles vivem pelas fantasias alheias, pelos amores que não podem sentir, pelo êxtase que só pode ser descrito em palavras e sentido na mente. Penetrando, sem pedir licença, na mente das mulheres, eles são voyeurs do pensamento e é dessa forma ideal que fazem amor.
to be continued...
(zeroum e zerodois)

quarta-feira, 22 de abril de 2009

quarta inconveniência

...Raquel não subia mais no palco. Mas sentia falta. Sentia falta da mágica mais do que tudo. Não da mágica do amor, na qual ela não acreditava, mas na dele. Ele era um passe de mágica. E era esse o fascínio que exercia. Ninguém entendia o truque. Ele era indecifrável. E ela não queria entender. Todo o prazer estava em ver algo extraordinário, e para isso não se importava em ser voluntariamente enganada. Raquel amava a mágica. E ela bem sabia que em todo bom truque existem 3 atos. No primeiro, chamado “A Promessa”, o mágico revela algo ordinário, mas que por sua natureza não o é. Mostra os homens e as cartolas e as mulheres. No segundo, “A Virada”, o mágico faz esse objeto ordinário fazer algo extraordinário. Faz os homens desaparecem, tira os coelhos das cartola e corta as mulheres ao meio. Após o assombro, após a tentativa fracassada de encontrar uma explicação, de vislumbrar o segredo, vem o terceiro e último ato, “A Fascinação”. “A Fascinação" é o momento das reviravoltas, quando o seu próprio assombro se assusta, é o momento das respirações suspensas no silêncio do espanto. É aqui que os homens retornam, que a mulher se mostra inteira, e que a cartola volta para a cabeça do mágico. Mas Raquel não tinha mais forças para aplaudir. Não dessa vez. Mesmo que continuasse amando a mágica. Mesmo que não ligasse para o espetáculo fracassado. Mesmo que não soubesse que a promessa era falsa. Mesmo que não sentisse que a virada era brusca. Mesmo que não pudesse ver a mulher cortada. Mesmo que não sofresse pelo homem que não voltava. E mesmo que não sentisse na fascinação o embuste. Ela amava a mágica mais do que tudo. Mas não tinha mais forças para nada. Ela não iria aplaudir. Não dessa vez.

terça-feira, 21 de abril de 2009

terceira inconveniência

Já tinha perdido três quilos desde que começara a esfriar. Já não acreditava quando diziam que no frio se come mais. Como também não acreditava quando ouvia que ele não iria chegar a tempo da sessão das dez, que o encontro no bar depois daquele dia chato de trabalho chato de vida chata não iria acontecer - fica pra próxima, ele dizia. Sabia que as razões eram reais, que os compromissos eram verdadeiros. O trabalho, o projeto novo, o ensaio da banda, a vontade de dormir e pronto. O que ela não acreditava era na não-verdade que ela tinha se tornado, era na sua não-existência. Já não tinha mais apetite para o que lhe parecia trivial. Não tinha apetite pra pedir. Pedia para não ouvir mais sua ausência e estava, gradualmente, perdendo os contornos, as linhas, as expressões. A imagem construída, antes projetada na tela grande, perdia o foco. E não fazia nada disso de propósito. Fazia pelo simples fato de não saber. Tinha perdido três quilos de vontade, três quilos de interesse e carregava tudo nas suas três toneladas de vida -ganhava o peso do tempo com aquele inexistir que não era dela.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Prisão de ventre

Os nossos piores defeitos são a excreção de nossas melhores qualidades, não há um sem o outro, e eu não quero ficar constipada.

Ironia?

Ela queria escrever, mas estava em reabilitação pelo uso excessivo de metáforas…Sempre voltava em recaídas, e nunca se cansava. Dizia ao terapeuta que era uma grande copiadora de estilos, mas sua criatividade metafórica estava nas suas formas de autodestruição. Dizia que era uma grande mentira, se achava uma grande cópia, era a xérox da xérox da xérox, sem qualidade nenhuma e quase sem semelhança com o original, nem se via mais nada…e lá estava ela usando metáforas, a droga ilícita na reabilitação. Tentando amenizar o vício se apegou às hipérboles e às analogias, e usava alguns eufemismos quando tinha mais insônia, mas achava todas essas figuras de linguagem drogas baratas, xérox da xérox da xérox de metáforas de uma grande mentirosa viciada.

Psicossomática

Ela transformava seu sofrimento em dores reais, úlceras, taquicardias, dores nos pulmões, falta de ar…porque assim havia cura, havia remédio e chá de ervas. Para as dores do corpo há drogas, para os infernos da alma, para os enfermos de amor não. Estratégia dos desamparados, dos mancos e dos sofridos, dos bem sucedidos. Pena dos hipocondríacos que nunca sucedem em transformar o indizível em diagnóstico, em coisa pronta, em jaleco branco…Sempre perdidos, sem alívio, coitados, num querer daquela doença bem piedosa que acaba com todas as dores intratáveis.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

entrelinhas

um dia achei aquelas entrelinhas bonitas.
depois elas me assustaram.
um dia vi uma mentira lá.
depois fiquei confusa.
se organiza uma verdade,
se pensa numa mentira,
se transpõe uma dúvida?
aí, quis foi achar uma lupa!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

segunda inconveniência

...
Laura era um camaleão perdido, sempre a procura de matizes nos olhos de homens míopes, que tropeçavam com cuidado em sua carne fraca, como se tudo fosse um acidente infeliz. Para Laura essa foi uma noite habitual de palpitações descabidas e ansiosas. Mas era o momento do cortejo em grupo, era a noite para os meninos exibirem seus violões, dos homens com suas caudas de pavões. Laura permaneceu em guarda do seu violão, dos seus sonhos, de seu homem sem calcanhares, de seu menino de imperfeições planejadas. Enquanto ele tocava, ela o fazia. Desenhava todos os contornos, sempre fora das linhas. Enquanto ele bebia, ela gemia gemidos imaginários, planejava discussões oníricas e amores irreais. E quanto mais bela a melodia ficava, mais Laura criava dramáticas tramas de traições e reconciliações e sentimentos profundos e destrutivos. Era assim que sempre achou os amores verdadeiros. Laura amou, sofreu, reconciliou, perdeu, se recuperou, enquanto Zé tocou três Chicos. Laura padeceu dores curtas e logo se perdeu novamente na floresta de homens, à espera de um novo padrão de cores para sua pele camuflada. Laura andava sempre em carne viva.

primeira inconveniência

...
Ele foi e Júlia ficou.
Ficou mentindo a dor da garganta que ela abafava com goles de cerveja. Ficou com a espera longa. A espera incerta. Ficou distraindo todos aqueles sentimentos que ela detestava entre risos e goles. Se sentia tão pequena, tão boba, com tantos sentimentos infantis difíceis de distrair. É que ele não me percebe como antes, pensava. Não me vê como antes, não no meio daquelas outras pessoas, daquelas outras conversas, daqueles outros espaços.
Foi quando Júlia viu que era naqueles outros espaços que ele morava. E a espera acabou. O namoro acabou. E o ciúme deu lugar à tristeza. Mas a tristeza encontrou alívio e isso bastou. E ele não acreditava na tristeza dela, nunca tinha visto seu desespero, nunca imaginava aquela dor. E se culpava com aquela sensação terrível de ter corroído tamanha pessoa. Mas o sorriso no rosto dela encontrou o alívio dele e foi isso que bastou.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

what?

Aquele não entender a deixava num estado de quase pânico que aumentava quando ela não conseguia mais se lembrar de tudo que sabia antes mesmo de começar. E o estalo atrasado, a metáfora correndo e as palavras gritando. A irritação acordou e pediu silêncio. E sem nem um piu o estalo chegou, deixando a palavra nua e a metáfora sem graça. Com o rosto cheio de vergonha vermelha, ela aquietou aquele corpo em espasmos.

barulhinho bom

Quando você ouvir o ruído, ver o ruído, sentir o ruído, eu já vou ter atravessado a rua. E o não dito evaporado condensa pra me dizer que vem chuva por aí...

a última nota

E ele sempre tocando aquele violão e respondendo cada olhar com um sorriso no canto da boca. E eram tantos olhares que o pulmão se enchia de ar fresco pra cantar a próxima nota. E quando a boca secava também não lhe faltavam goles. Mas a dança acabava com falta de ar e ele levantava pro mundo parar de girar. E quando a saia dela desobedecia e rodopiava, ele sabia que nem dó aquele violão vidrado tocaria mais.

domingo, 12 de abril de 2009

O homem de meias

Depois de dois dias eles já se deram o direito de dar às mãos ansiosas acesso a locais proibidos. Essas correram que nem loucas pegando tudo. Todas as elevações. Mas queriam mais, como tudo quer. Queriam sentir a pele e as cavidades, queriam sentir tudo por dentro.

Primeiro eles se livraram dos sapatos, e dos cachecóis, e das luvas e das pesadas jaquetas de frio. Depois das blusas e dos cintos e das calças e da calcinha de renda e do sutiã de enchimento e da cueca de outdoor. Jogavam tudo o mais longe possível para não cederem ao impulso de colocar tudo novamente. Estavam nus. Ou quase isso. Ambos tiveram que parar. Ela quando ele tentou lhe tirar os brincos, ele quando ela atentou lhe puxar as meias.

-Mas, porque você não tira os brincos? Me sinto nua….
- E porque você não tira as meias? Eu sinto frio….

Ambos aceitaram as suas limitações e se deixaram levar e entrar onde queriam. Ele de meia, ela de brincos. Mas no meio do início de um papai e mamãe enlouquecido ela se deu ao luxo de pensar, enquanto ele metia. Ela, pela primeira vez, tentou entender sua própria timidez. Resolveu dar uma chance ao desconhecido e ficar completamente nua. Mas assim que acabou de tirar os brincos, ainda envergonhada, ela fez uma breve pausa e foi aí, nesse silêncio solitário, que ele gozou. Ali, em cima dela. E ela ficou lá, inerte, olhando para o teto, esperando um espasmo que não vinha, nua e sem brincos....enquanto ele, de pés aquecidos, roncava seu gozo vazio. Não há mesmo muito o que entender sobre o frio.

sábado, 11 de abril de 2009

querer

Não quero mais ouvir sua voz, nem ler suas palavras, nem sentir. Quero você fora daqui, mas você fica e sou eu que tenho que ir. E vou nesse passo minguado, nessa lentidão desafinada. Assombra alcança assola. Amanhã eu vou embora. Parece piada de mau gosto, um golpe rasteiro e baixo que me joga no chão e olha enquanto eu levanto de novo e de novo.
Ainda choro. Ainda me lembro da minha estupidez e da sua estupidez. Em todas as esquinas, em todo final de filme, ela acena.
Quero desfazer o não feito e, assim, poder liquidar o nó, desmanchar a fumaça, apagar o traço. Te afastar do centro e te deixar na borda, no canto mais longe, fora da tela. Naquele canto que eu nunca olho. Naquele lugar onde todos os detalhes são menosprezados, esquecidos, ordinários.
Foda-se o grito. Foda-se o sussurro. Foda-se o choro e os risos.

Náufrago

E lá ia ela começar uma horta, e escrever um livro embaixo da árvore que ela plantou a tempo que estivesse grande quando o filho que gerava estivesse adulto. Ela ia aprender a cozinhar, e a costurar. Teria amizades verdadeiras, teria um grande amor, teria….Rosa não sabia nada que servia para alguma coisa. Sabia pouco das coisas. Por isso resolveu escrever. Queria ser algo. Queria engravidar. Queria ter uma vontade eterna de querer. Mas tinha medo do mar. Tinha aqueles sonhos de ondas gigantes, onde fraca e impotente se afogava sem nem despertar, ou era forte e grande e vencia o mar sem nunca ganhar. Era tudo um sem querer. Os sonhos, as árvores, o livro que escreveu, a horta, a costura, a comida que nunca preparou. Esse não ser era todo ela, e ele aprendeu a aceitar. Aprendeu a ser menor que o mar. Se afogou sem nem despertar.

Maria e o beija-flor

Maria não sabia falar de amor. Sempre que tentava um beija-flor lhe adentrava o esôfago a fazendo sufocar. Engolia a ânsia e o beija-flor, mas ele escapulia assustado para o peito. Se debatia com falta de ar até chegar no pulmão onde recobrava as forças e a fazia ofegar. Depois o bicho descia estabanado até o estômago onde em liberdade batia as asas a milhão. Maria sentia cócegas. Cócegas e beija-flor desciam até Maria enrubescer. Maria deu um basta. Fez o beija-flor voltar até a boca só para começar tudo de novo.

De pernas pro ar

Quando ele abriu a porta viu que ela estava deitada com os pés pra cima, encostados na parede, mexendo no cabelo do jeito que ela sempre faz quando acha que ninguém está olhando. Ele viu. E soube, ali, porque todos os faróis estavam piscando no caminho pra casa...

sexta-feira, 10 de abril de 2009

!

- você vai se arrepender de não ter me beijado?
- me pergunta amanhã

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Triângulos Líquidos

-Aaaaaahhhhhhhhh (bocejo de 10 segundos)….

O dia começa e a luz marota do Sol da manhã passa pelas frestas da persiana.

Os pássaros cantam…. piu, piuuuupiu, piiiiiu.

O dia não poderia começar melhor. Hoje eu consigo ser zen! Hoje nada me irrita, nada vai me tirar do sério.

Vou dar aquela espreguiçada que falam que faz bem pra saúde…. relaxa, desestressa… vou viver bem mais! Tem que ser que nem gato, né? Era gato, ou cachorro? Cachorro espreguiça gostoso também…Será que rolar na grama de barriga pra cima tem o mesmo efeito? Tanto faz, vou tentar gato vai. Uhhmmmm, muito bom! Já me sinto energizada!

Hoje nada vai me tirar do sério. Nem a porcaria do relatório que tenho que entregar em 3 dias. Nem esse vizinho maldito que acha que minha janela é tela de cinema. Nem a mania insuportável de meus pais de….Não, não, não vou começar o dia assim. Respira fundo, começa de novo…

Vou dobrar toda a roupa de cama, dizem que disciplina faz bem, vou dobrar tudo em quadrados perfeitos e retângulos simétricos, estilo samurai. Será que isso é TOC? Pára garota! Sem hipocondria, sem pessimismo. Hoje vou ser zen!

Vamos lá então, vou ligar o rádio. Será que Bob Dylan atrapalha a concentração? Vai Mozart vai, não quero arriscar. Vou desenrolar meu yogamat rosa e começar minha ultra regular prática de yoga esporádica. Inspira………………………Expira………………..Presta atenção na respiração, só na respiração, no abdomên que expande e contrai. Abdomen, bah, tá mais pra espanta homem! Mas até que melhorou vai, nem comi chocolate ontem a noite, acordei beeem mais magra já!

Inspira…….Expira…………Foco, sente o ar pelas narinas. Ahhh agora tá ficando bom, to relaxando. Consegui, consegui relaxar! Maravilha! Consegui o que mesmo? Ah, relaxar, era isso. Estou relaxada, muito relaxada, na verdade to meio com sono. Será que pode bocejar no meio? Não, não, não quero bocejar….Ahhhhhhhhhhhhhhhh (bocejo de 10 segundos)…. P$D&5P*32…..Palavrão não! Nada zen, naaaada zen! tsc tsc tsc

Tudo bem, a base de tudo é o perdão e o amor. Vou me perdoar e começar de novo, falaram que não tem problema. É, não tem problema pq eles conseguem, aí é fácil….Não, não, sem ressentimento, sem mágoas. É só voltar.

Inspira…………..Expira…………….Inspira……………Expira…………..Será que?…..Que medinho….Será que tá rolando? Tá rolando!!!! Boa time! Beleza…

Agora vamos lá, exercício básico 1 de meditação. Escolhe uma figura geométrica simples e uma cor. Ahn, qual será que é mais fácil? Círculo? Não não, sem pontas é mais difícil, não tem referência. Triângulo, isso, 3 lados, 3 pontas, sem exageros! Agora a cor. Que cor? Ahn…. Azul não, relaxa muito. Amarelo? É cor de escritório…Branco? Isso, branco! Paz!

Ok triângulo branco, aí vamos nós!

Mas e aí, onde que eu tenho que imaginar esse triângulo? Ele tem bordas em negrito, é recheado ou só com linhas brancas? Vai recheado, bordas pretas, linhas brancas! uhhhm, borda recheada…Pizza! Fechô! Mais tarde…

Triângulo branco…. triângulo branco… triângulo branco….Mas fica parado vai! Tem que ser sólido, tem que parar de se mexer! Ficou vermelho! Ahhhhhhhhhhhhhh….Calma, volta! Triângulo branco…Mas círculo tá parecendo mais fácil. Será que pode mudar? Falaram que tem que persistir. Como eu sou promíscua, não consigo manter uma forma geométrica simples na mente por 1 min, quem dirá um relacionamento. Pára, não é a hora pra isso. A terapia é daqui 2 h. Volta.

Triângulo branco. Tô vendo. Tá triângulo, e tá branco. Boa time! Mas tá se mexendo muito. Fica estável, fica sólido, vai. Por favor?! ….Quanto tempo já faz que estou aqui? 20 min? Deixa eu ver pela fresta do olho….2 min?! Tá de brincadeira?!

Volta….Triângulo branco, recheado de branco, sólido, estável….Serenidade…Só existe eu e o triângulo, só isso. Mas epa, peraí…triângulo tá ficando trêmulo, tá sumindo, tá ficando líquido, tá virando água. Virou água branca. Tá inundando todo o meu terceiro olho. Que nonsense, já to sonhando será? Só vejo água. Pelo menos é branca, será que conta ponto? Socorro! Estou me afogando…falta de ar, falta ar, ar…Vou abrir os olhos! Não…você consegue!Inspira………Expira………..

Queridos amigos, vou poupá-los dos detalhes tragicômicos desse episódio. Só sei que quando voltei a mim estava imersa num trêmulo deserto amarelo, tentando evaporar toda aquela água lamacenta da minha empreitada meditativa.

Mas penso agora que era de se esperar que num mundo líquido até os triângulos venderiam a alma!

Homem Que Não É Homem

Como já disse Veríssimo, Homem Que É Homem só vai ao cinema ver filme de ação, não freqüenta o teatro, muito menos balés, e acha que o movimento gay é coisa de veado.
Peço permissão para adicionar que Homem Que É Homem (o famoso HQEH) não come de hashi. HQEH nem sabe o que é um hashi. HQEH chama hashi de “pauzinho” e acha que peixe cru é coisa de veado. HQEH não freqüenta restaurantes orientais porque só freqüenta churrascarias, de preferência aquelas no esquema rodízio, de preferência a R$15,90 no jantar e R$11,90 no almoço, de preferência na beira da estrada. Não?

Sendo assim, o Chi-Fu, aquele restaurante tradicional chinês da Liberdade, é um desses lugares que HQEH não pisa nunca: é oriental e ainda por cima não tem talheres.
Mas fato é que o Chi-Fu é um restaurante sujinho, onde a toalha de mesa é engordurada e recomenda-se limpar, com seu próprio guardanapo, as cumbucas e os copos que serão utilizados durante a refeição.
As garçonetes, todas chinesas, são grossas e não compreendem nem falam direito a derradeira língua lusitana. Se falam, fingem (e muito bem) que não estão entendendo lhufas. O cardápio está escrito em chinês, mas para a tranqüilidade dos nossos estômagos, a maioria dos pratos tem tradução em português. Nem tente pedir os pratos sem tradução ou você vai ouvir “ Nô. Brasileiro nô.” A decoração, inusitada, é composta por aquários onde nadam os peixes, camarões, rãs e demais animais encontrados no cardápio. No final da orgia gastronômica, a mesma garçonete mal humorada vem empurrando um carrinho com duas daquelas bandejas brancas e sujas (parecidas com as de navios pesqueiros, sabe?) e joga todos os copos, pratos e restos de comida lá dentro.
Algo assim: A comida é uma delícia, só não visite nossa cozinha!

Homem que não é homem abstrai, não olha pro lado e ri do Wan-Fan.
Homem que não é homem come no Chi-Fu e não faz cara de nojo.
Homem que não é homem é muito mais homem.

As 8 regras da Onivoria

1. Você não fala sobre a Onivoria
2. Você nunca, jamais, fala sobre a Onivoria
3. Quando alguém gritar "pára!", ficar no chão ou desmaiar, a refeição acaba
4. Somente duas pessoas por refeição
5. Uma refeição de cada vez
6. Sem garfos, sem facas
7. As refeições duram o tempo que for necessário
8. Se for a sua primeira noite na Onivoria, você tem que comer!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

boa time!

Um amigo criou uma teoria: BBBB – Big Brow Brasil Blog, já que tá na moda ter um. Dizem que blog é o novo divã, terapia virtual. Divago pra não parecer reclamosa. Mas o que tá mesmo na moda é comer, a onivoria desse mundão gera divagações: do bar pro blog, da vida pro blog. E se acabar a comida na casa? A gente sai a caça! Se precisar de mais nonsense: http://www.tropicalia.zip.net/ ou beba mais aqui: http://querotepegarsobrio.blogspot.com/. Se não gostar, pode colocar no paredão!

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Stricto sensu

Num mundo perfeito a gente não entraria em crise com o nosso trabalho. A decisão, uma vez tomada, não seria questionada, não te deixaria olhando pro teto de madrugada, não faria sua mandíbula acordar mastigada de manhã e não tiraria seu ânimo pra começar mais um dia. Num mundo perfeito você acorda empolgado e vai, não vê o tempo passar e fica.

No meu mundo imperfeito as crises existem e nessa hora eu não gosto de trabalhar. Não gooosto. Nesse meu mundo, as únicas formigas operárias são as saúvas que não me deixam quieta (em inglês: fire ants; em português: fogo no rabo; pra mim: fire ants behind).
Que culpa eu tenho? Quero tudo ao mesmo tempo ao mesmo tempo ao mesmo tempo em que talvez eu não queira nada. É tanto que a perna cansa. Vale dizer que o trabalho é intelectual e exige uma concentração daquelas, que, por sua vez, vai depender de um estado de espírito em crise, sem jamais esquecer que tenho um cérebro a mil, movido à cafeína, invariavelmente curioso e interessado. E foi assim, no meio da centésima crise, que eu me formei doutora em procrastinação. Tudo isso antes mesmo de acabar o mestrado. Genial, não? Vou descrever a especialidade, o capítulo um da tese...

Preciso construir uma função. Não, não é y=ax+b. Resumindo rapidinho é isso: usando uma linguagem de programação (juro!), tenho que informar ao programinha maldito o que ele tem que fazer. Escrevo um código concatenando várias informações para que ele, de uma vez só, me dê certos resultados. Lindo? Não! Inventei que iria fazer uma função que calcule a elasticidade dos elementos de uma matriz (matemática, hã). Para tanto, eu preciso dos autovalores e autovetores dela. Tá bom.
Caceta, onde eu fui me meter, que idéia de jerico. Autovalor e autovetor ou lavar a louça? Foco, garota, foco. Aquela louça nem está tão acumulada assim. Mexo no programa, descubro umas fórmulas, escrevo uns códigos que voltam sempre com uma mensagem de erro. Ironicamente o programa chama "R". Te obedeço, amigo, e erro.
Aí lembro que semana passada eu queria usar aquela blusa verde e não achei. Acho que preciso arrumar meu armário. E lá fui...pronto. 14h43 – um café e um cigarro e vou trabalhar. Sabe, hora redonda é sempre melhor pra começar, apesar de ser igual começar regime segunda-feira.
Crio minha matriz, ufa! É uma matriz 4x4 (vocês se lembram disso, né? número de linhas x número de colunas). Ótimo, autovalores resolvidos. Agora os autovetores. Problema!! Existe dois: o da esquerda e o da direita, e a minha matriz não é simétrica. Isso significa que eu tenho que fazer alguma coisa para achar o autovetor esquerdo. Procuro, abro livros, leio e nada.
Hmmmm! Vejo o livro do lado da minha cama e lembro do personagem, imagino a solidão do rapaz, que acabou de chegar em Londres vindo da África do Sul. Aposto que ele gostaria de uma companhia. Ele é muito mais legal por não querer determinar nada. Fico com ele uma hora.
Recebo um email. É de uma amiga que sabe do meu sofrimento e, muito gentilmente, me escreveu três palavras: Foco, mulé, foco. Respondo dizendo que o problema são as lentes multifocais que uso.
Óquei, e a matriz? Ta lá, feia que dói. Dizem que feiúra tem a ver com simetria e, sendo a bendita assimétrica, eu não consigo descobrir seu valor reprodutivo. É, gente, acreditem, o autovetor esquerdo dessa matriz representa seu valor reprodutivo. O dela deve ser baixíssimo, vai.
Vai, cérebro, concentra. Sabe o que iria me ajudar? Óculos. Você podia fazer outro, não acha? Já vai fazer um ano que você perdeu o antigo. Eu sei que o grau é baixinho, mas faz um ano que me esforço apertando seus olhos. Agora cansei e, por isso, eu tô aqui sofrendo, latejando pra chamar sua atenção.
Negocio umas pílulas e ganho uma hora de concentração. Mas continuo errando e me irrito porque o erre não me entende. Mas sabe quem me entende? O House, o médico ácido mais charmoso da TV. Começa em quinze minutos. Deixa só eu terminar de escrever isso aqui e voilá.
Viu só, PhD. Não falei? E, uau, eu fiz taaanta coisa!!

Eu tenho um amante

Me casei muito cedo, mal saída dos 17. Como a maioria dos casamentos da minha geração fui uma união arranjada desde a tenra idade de 10 anos. Vários encontros foram forjados pelas famílias envolvidas, para confundir a mente e fabricar sentimentos confusos. Quando alcancei a idade certa já acreditava que meu marido era realmente o amor da minha vida. Foi um casamento imerso em pompas e parentes. Fiz o que qualquer moça de respeito faria e assentei na vida de dona de casa que as mulheres casadas são incentivadas a levar. Respeitava meu marido e a minha cultura, e desenvolvi uma forma de amá-lo. Mas depois de sofrer um aborto, após 5 anos de casada, comecei a reconsiderar minhas opções. Ele nunca descobriu nada, e logo em seguida engravidei de novo. Dessa vez nasceu um menino, forte e brincalhão. Desde meus 15 anos já flertava com outro homem. Alto, forte, bonito e inteligente, mas estava prometida, meus pais nunca iriam aceitar. Era um amor proibido! Muitos anos depois ele reapareceu na minha vida e cedemos aos vapores da paixão. Começamos um caso tórrido, que meu marido parece ignorar. Ignora toda a nova felicidade que transparece, toda a paixão e a carne que treme, e finge não entender os sorrisos bobos e aleatórios. Não temos mais relações, só burocráticas, protocolares. Não nos falamos de manhã, nem nos olhamos ao deitar. Somos fantasmas em planos distintos. Mas tomei uma decisão. Não importam as consequências, vou deixá-lo! Assim que meu filho estiver grandinho, vou embora. Vou largar meu marido pelo meu amante assim que meu pequeno fizer 18 anos! Vou largar a Ciência pela Arte, assim que terminar meu mestrado!

domingo, 5 de abril de 2009

Goleada do Timão

Atacante: Oi, licença, meu amigo tem diabetes, você teria alguma coisa doce pra dar, tipo um brigadeiro?
Defensora 1: Não tenho, não. Desculpe.
Atacante: E um beijinho?
Defensora 1: hihihihi. Eu tenho namorado. (defesa passiva padrão tipo 1)

Atacante: Oi tudo bem? Faz uma coisa, imagina que você está em uma ilha deserta, e nessa ilha tem um coqueiro, e em cima desse coqueiro tem um côco e esse côco cai lá de cima….rola?
Defensora 2: o côco rola, eu não! (defesa cobra delta tipo 26)

Atacante: Oi, tudo bem? Faz uma coisa, imagina uma montanha bem alta, e em cima dessa montanha tem uma bola muito grande que não estoura, aquelas tipo do Kiko do Chaves. E ela é jogada de lá de cima…..rola?
Defensora 3: a bola rola, eu não! (defesa cobra delta tipo 27)

Atacante: Oi linda, (beijo molhado na mão da vítima) posso te dar um beijo?
Defensora 4: Urgh, sai pra lá!!! (defesa enojada tipo 33)

Atacante: Oi querida, seu pai é hortifrutegranjeiro?
Defensora 5: Não, por quê?
Atacante: Como ele tem um chuchu desse em casa?
Defensora 5: Ahn? (defesa interrogativa tipo 7)

Atacante: Adorei sua blusa! Muito bonito esse tom de azul! Ahhh, o azul…. me lembra tantas coisas boas, o céu, o mar, a Jontex Sensitive... podíamos experimentar todas juntas…
Defensora 6: SLAPT!!!! (tapa na cara) (defesa agressiva sem noção tipo 66)

Atacante: Oi Paty, tudo bem, você teria um lápis de cor aí, ou um giz de cera?
Defensora 7: Não. Por quê?
Atacante: Pra gente deixar nossa amizade colorida!
Defensora 7: hahahahahahahahaha (defesa involuntária tipo 1)

A reviravolta

Atacante: Oi queridaaaaaaa! Ai que purpurinada você!!!
Defensora 8: Mesmo? Que demaisl! Adoro gays!! Vamos dançar então!
Atacante: Uhuuu (tunts tunts tunts). Vamos dançar mais juntinho, vou te ensinar uns passos da Madonnaaaaa.
Defensora 8: Uhuuu. Você tem certeza que não curte mulheres?
10 minutos de contra-ataque depois ……GOOOOLLLLL (gol contra tipo 69)

Atacante: Então, eu estava interessado nessa sua amiga, ela parece tão doce, é tão linda e segura. Curto mulheres independentes e inteligentes. Me apresenta ela?
Defensora 9: uhm, ela é legal mesmo, e muito bonita. Mas é que ….vou ver, já venho - um segundo depois - então, ela não está afim, mas a gente podia conversar melhor, você não acha?
Atacante: Uhmmm, não sei…. Pode ser vai....
20 minutos de contra-ataque depois……..GOOOOLLLLLLLLLL (gol blasé tipo 3)

Atacante: Oi tudo bem? Olha essa foto da minha namorada. Estamos juntos a 3 anos. Eu a amo taaanto! Nunca fui infiel. Ela é a mulher da minha vida!
Defensora 10: Ahn….é….que legal! Ela deve ser muito especial!
30 minutos de contra-ataque depois ….GOOOLLLLLLLLLLLLL (gol freudiano tipo 82)

Já dizia um professor que quem decide é o Leão, por isso o time da casa sempre vence de goleada!!!!
algumas cantadas retiradas do Xavequíadas, a maioria da vida….

A natureza humana (CUIDADO: texto com citações)

Como já dizia Machado (de Assis) “A natureza é simples. A arte é atrapalhada.”. E algumas vezes “the tragedy is not according to nature, but according to art”. Vemos, assim que a capacidade simbólica traz enorme complexidade ao Homo sapiens, e as melhores obras literárias sabem captar essa complexidade. Nesse sentido, pode ser que a definição científica do que constitui a natureza humana esteja carente porque lhe falta poesia. Talvez, o que é universal está no que “a beleza é verdade, e que a verdade é beleza (“Beauty is truth, truth beauty” John Keats). O que não impede que o que é belo não o seja eternamente, e que a verdade não seja absoluta. Se isso se sustenta, a arte talvez seja o lugar mais apropriado para se entender o que é humano. É possível, que, como propôs Lévi-Strauss: “ (...) o homem sempre pensou igualmente bem. O progresso (...) não tivera, portanto a consciência por teatro, mas o mundo (...)”.

A inércia e o movimento

Alguém, eu não lembro quando, mas há mais tempo do que minha memória pode alcançar, me mandou correr, e não parar nunca. Eu comecei, e a princípio achei cansativo, mas eu tinha que correr. Depois de algum tempo, não achava mais que estava em movimento, pois a corrida tinha se incorporado a mim, eu corria sempre e só era eu porque corria. Chegava a imaginar se algumas pessoas andavam, e uma vez atingi o absurdo de considerar a possibilidade de algumas pessoas, de vez em quando, pararem. Mas logo vi que era inconcebível. Correr era meu estado natural e meu objetivo de vida. Mas porque corria? Pra onde ia? Ninguém nunca havia me falado. E por que continuava correndo então? A monotonia e segurança de correr me impediam de parar e analisar o que acontecia? As endorfinas adquiriram vida própria e não queriam abdicar de sua posição? Acho que não. Eu não havia perguntado pq corria. Não tinha mais ninguém ao meu redor, nem nada onde segurar. Não tinha como saber por que. Nem como parar! Estava presa na inércia do movimento, onde o impossível era mudar.

Na falta do Prozac

Sou sempre meu ponto de referência. Pontinho esgotado, já velho tão novo, desbotado e cansado. Não importa o quanto eu ande, são sempre meus olhos, minhas retinas viciadas que vão olhar. Minha experiência limitada que vai julgar, minha vida curta que vai expirar. Será que todo mundo sente essa sufogonia constante?! Essa vontade de sair de dentro, de ver o mundo fora dessa prisão ocular, tátil. Não sei se sou, nem quem sou, nem quantos sou. É tudo um jogo onde você inicia com um primeiro traçado e o outro completa o desenho de acordo com sua vontade. Um conecte os pontos fictício. Um caça-palavras sem sentido. Um labirinto sem saída. É isso o que nós somos ou não somos. Mas os outros, esses nos percebem como algo finito e real. Conectam nossos pontos, acham nossas palavras e escapam do labirinto, porque a agonia maior é a indefinição, a incompletude , inconcretude, o vazio de tudo que existe sem existir em momento algum.

No Guaíba (AVISO: texto sem sarcasmo)

Certa hora do dia, não importava o que estivesse fazendo, uma hipnose me chamava a andar em direção ao Sol, para a beira do Guaíba. O oeste era meu guia. O pôr-do-sol em Porto Alegre acontece por volta das 8h da noite, em função do horário de verão. Estava sozinha, sentada na pedra, com areia salpicada de pequenas conchas abaixo, e com a trilha do Sol de final de tarde aos meus pés. Barcos de todos os tamanhos interrompiam o espetáculo, ocultavam a esfera laranja por alguns segundos. Mas o Sol não reclamava. Se punha em silêncio, inocente e puro, sem consciência da sua força e beleza. Se escondia com a humildade que só um astro que proporciona vida pode ter. Foi também em silêncio que eu permaneci, esperando a mudança das cores. Vermelhos, laranjas, rosas, azuis. Certa hora, os pássaros negros mergulharam todos nas águas do lago, deixando somente seus finos pescoços e suas cabeças elegantes para fora. Uns levantavam vôo só para mais na frente retornar. E o Sol continua caindo. Eu ando e observo uma guriazinha de cabelos loiros enrolados e olhos castanhos falantes jogar uma brinquedinho que cai junto a mim. Quando devolvo para ela seus olhinhos falam que algo na minha bolsa chamou sua atenção. Era uma bolsinha indiana, pequena e leve, mas cheia de estampas e adereços, e com cinco pequenos espelhos organizados em círculo. Eram eles que a fascinavam. - Olha você aqui - eu disse apontando para o espelho. Ela abre um sorriso feliz, mas aquela felicidade extrema que as crianças sentem com as coisas pequenas. Como eu queria nascer de novo. É impossível não se contagiar. Não dá para olhar para uma criança e não sorrir para ela, porque toda vez que vejo uma me lembro da felicidadezinha infantil que ela deve estar sentindo o tempo todo. E elas sorriem de volta, e é aí que eu confirmo o que se passa nesse mundinho delas. Eu então passo a bolsa para ela. Coloco em seus ombros. A bolsa fica batendo no chão. Ela olha para si, se achando grande, e por um momento parece satisfeita. Mas logo me devolve. Acho que não tem graça crescer! E o sol continua girando. Pergunto o nome dela, é Bianca. - Tchau Bianca - digo eu. - Tchau - diz ela com os típicos problemas fonéticos das crianças pequenas. Acena com sua mãozinha como também as crianças fazem, sem muita segurança, não de modo firme, mas uma dancinha alegre e espontânea suas mãos fizeram. Vermelhos, laranjas, rosas, azuis, a bola de fogo continua caindo, e as cores se misturam de forma cada vez mais frenética, até que nada resta, só o cinza e o negro, e o adeus de uma mão infantil.

Onívoros Anônimos

Para uma das frutas cítricas e docinhas dessa vida.

Eu tenho um problema! Eu como!
Como tudo, devoro todos, degluto as vírgulas e os pontos. Não por preciosismo saramaguês, mas por estabanação e fome e desleixo. Afinal pontuação é que nem farol amarelo e hoje em dia ninguém mais pára pra digerir as vírgulas. Já segurei alguns com exclamações, mas agora tem que vir em três senão todo mundo passa reto!!!

Nasci com 36 dentes na boca. Nunca tive medo do cru nem do cozido, só de ler Lévi-Strauss. Eu faço parte de um grupo, e a gente come sem pensar, porque já dizia um grande amigo cumpadre ‘pensar é estar doente dos olhos’ aí outro compadre disse ‘ não penso logo não existo’, e se não existo posso comer o que quiser que não vou engordar!!!

A gente come tudo, com a boca da cara e aquela que sai pelo meio do tórax estilo Alien. A gente engole até barata, não só porque Clarice recomenda, mas porque se é ela que tá na frente na hora do aperto vai ela mesmo. Um dia até virei barata, mas como não tinha lido o livro até o final não soube me portar, muitas gafes de etiqueta!!!

Temos estômago de avestruz com gastrite, digere até exoesqueleto. A gente come maçã com casca, goiaba bichada, enfia a cara na laranja e mistura banana frita na feijoada. A gente come gente! Homem cru, mulher assada...até comprei um George Forman!!!

Não temos tabus pra orientar o medo, a gente vai tateando, pegando e engolindo. A gente come com a boca do estômago e leva soco depois. A gente chupa a lágrima e lambe o sangue. A gente engole sapo aposemático só pra saber quem está mentindo. A gente passa muuuuuito mal!!! Indigestão, congestão, constipação...E a farmácia 24h não entrega em casa!!!

A gente come pelas razões certas e erradas. Conheci um cara que não tinha apetite, mas comia mesmo assim com medo de passar fome. Outro cara não comia peixe porque tinha medo do mar. Uma grande amiga já até comeu um ovo.... com a galinha dentro.... ou uma galinha com o ovo dentro, ela não conseguia lembrar!

Somos insanos e famintos. A gente come e vai nadar, mistura manga com leite e coca-cola com mentos, come carne vermelha na Páscoa e porco no Ramadã. A gente devora vários ismos: achismo, nutricionismo, vegetarianismo, cientificismo, racismo, reducionismo, machismo, feminismo. A gente come pra destruir e pra criar!!! A gente caça que nem lobo, e rumina, e regurgita e alimenta os filhotes. A gente come o húmus com a minhoca pra ver se cresce. E chora lágrimas de crocodilo só pra comer o bicho depois. Somos selvagens!!!

Outro dia devorei a felicidade toda de uma tacada só, mas não tinha feito back-up. Me fodi!!! Tive que começar tudo de novo!!! Mas se Vinicius já disse que `é melhor viver do que ser feliz´, quem sou eu pra discordar?

Eu faço parte de um grupo...Sou onívora! E não quero parar!
Um dia me contaram que o onívoro tinha um dilema, aí comi o dilema e o onívoro e fui deitar.
Porque como já dizia outro grande amigo cumpadre:
“deeeeeeeeixa o menino brincar”!!!!!!!!!

(01), pedindo pra entrar....

O homem de cavanhaque e a mulher de cabelo curto

Certo dia estava eu em uma balada despretensiosa. Encontrei com um grande amigo que havia realizado uma pesquisa muito controlada e abrangente no Brasil inteiro, onde viu que as mulheres são mais atraídas por homens altos, morenos e de cavanhaque (ou pêlo na cara, mas não só o bigode). Através de um procedimento estatístico multivariado não-paramétrico (p=0,0001) constatou que essa preferência se mostrava tanto em mulheres urbanas quanto do campo, estudantes e donas de casa, jovens e senhoras. Além disso, mostrou que os homens são atraídos por mulheres loiras, peitudas e de cabelos curtos. Começamos uma discussão informal, quando contei que não me senti atraente quando estava de cabelos curtos, mas lembrei que sou morena, e ele me disse que o mercado não tá pra peixe mesmo sendo alto e tendo algum pêlo na cara, embora não seja muito moreno. Passamos a noite bebendo cerveja e tentando encontrar o protótipo feminino e masculino, a imagem divina, a perdição em pessoa. Nada. Mais cerveja, caipirinha. Nada. Finalmente um dos caras se encaixa na descrição, alto, moreno, barbado…uhmmm….era gay. Ok . a noite é uma criança. O próximo. Alto moreno, de bigode…só bigode…uhhh…nope….mais um …ah, esse sim…alto, moreno, cavanhaque, mal hálito, próximo….médio, negão, cherado, mala, e depois de algum tempo percebi que meu amigo não estava mais ao meu lado…Depois da segunda cerveja ele já tinha se acertado com uma morena mingon de olhos verdes e cabelo na cintura. Gata. E eu? Bom, depois de tentar converter o gay, convencer o de bigode a crescer cavanhaque, a dar uma alvejada no negão me contentei em terminar a noite com uma loira de cabelo curto, afinal não ia desistir assim tão fácil!!!

sábado, 4 de abril de 2009

isso

(...) é dó sem mi. É a leveza do tom e o peso da pena. A barriga seca e molhada. É alimentar tudo isso com remédio homeopático. É aceitar o nonsense criado atrás da porta de olho aberto e boca fechada. O antídoto? É venenoso - um anticlímax cansativo e chato.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

gênero feminino

Dia chato, produtividade quase nula, sentimentos de culpa e cobrança imensuráveis. Quem mandou não ter chefe e trabalhar onde bater cartão não existe?

Amiga 1 convida amiga 2 pra ir ao cinema, já que a endorfina da corrida não foi o suficiente. Rir, preciso disso. Vamos então.
E lá fomos para mais um filme com ou sem açúcar. Gênero feminino.
...
Milk-shake de ovomaltine do Bob’s? fechô!
...
Amiga1: um milk-shake de ovomaltine, por favor.

Funcionário do mês em potencial: com calda?

Amiga1: calda? Agora vem com calda? Qual é o sorvete?

Funcionário do mês em potencial: calda de chocolate.

Amiga1: Não, vai ficar muito doce com chocolate.

Funcionário do mês em potencial: vocês querem de chocolate?

Amiga2: Baunilha. Sorvete de baunilha.

Funcionário do mês em potencial: e a calda?

Amiga1: quê?

Funcionário do mês em potencial: tem esse da máquina, mas vocês também podem estar pedindo o sorvete com leite, é especial.

Amiga2: hein? Não. Milk-shake de ovomaltine tradicional. O clássico, por favor.

Funcionário do mês em potencial: Deu R$14,20.

Pago. Jesus Crisis esse preço, hein? Espera e, pronto, lá estavam dois milk-shakes em cima do balcão.
Se as duas estão falando com o funcionário do mês em potencial é porque cada uma quer um, não é? É, é...
Que raios! O cara entendeu dois. Esse vai virar funcionário do mês, maior número de vendas – tudo em dobro!
Mas, afinal, se ele não tá tão a fim de você melhor que sejam dois, mesmo!
******

Pêésse: O filme é... tudo aquilo que a gente já sabe e vive fazendo e repetindo e refazendo. Quem quer faz acontecer e pronto. Entendeu agora?
Não existe um tímido que deixe de ligar por vergonha. Ele liga e engasga, fica gago, perde a fala. Não existe traumatizado que não arrisque uma ligação. Aquele cagão com medo de se envolver, idem. Vale para todos os outros, espécimes do mesmo gênero. Garotas, parem de inventar justificativas e motivos esdrúxulos para aceitar o engano, a ligação perdida entre o caso da amiga da prima e a verdade gritante in your face.
E agora, entendeu?
Não existe regra. Sozinha e feliz, casada e feliz, namorando para suprir a carência vazia diária e infeliz, se apaixonando por todos que aparecem e dão atenção e infeliz (e desesperada e esperançosa e vítima do próprio otimismo), casado porque era isso que eu tinha que fazer e infeliz (e idiota).
Você é a regra até virar a exceção de alguém. Ou vice-versa com as cartas embaralhadas porque se o valete de paus encontrar a dama de copas é truco, tá? Não existe regra porque quem ditou as regras não ligou no dia seguinte.
E aí, entendeu? Vai parar de repetir?
Não. Repete o cinza meio azul grafite, por favor...



Maçã (01) e Laranja-lima (02) – e ninguém pediu pra sair, ainda...

for breakfast

?! é uma pergunta com delírio e significa que eu só respondo perguntas exclamadas.
A Croácia é vertical, sim, assim como as organelas se flexionam.
E existe uma fila pra acordar e eu já peguei minha senha. Sorte que é começo de mês e o banco tá lotado. 2 horas de snooze, oba!

é isso. não venha me chacoalhar de manhã ou você pode acabar ouvindo uma dessas.
é bom. começo o dia rindo!

Deixa o snooze na minha barriga, então.